terça-feira, 10 de junho de 2008

O Parente Famoso

Nesta minha insistente busca para compreender as coisas que me cercam, dei comigo a estudar as minhas raízes. O hábito era antigo, mas o processo, de realmente ir atrás dos antepassados - a chamada Genealogia, esse chegou décadas depois.
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Sabem o que todos dizem quando o assunto vem à baila? Pensam em si mesmos e não poucas vezes saiem com esta afirmação:
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-"Quem sabe descubro um parente podre de rico, um nobre qualquer e, deixo de trabalhar!"
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Esta afirmação sempre me perturbou. Que mania! Mania das grandezas, mania que a nobreza está num título e que a riqueza é tudo.
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Nunca ocorre a estas pessoas pensar que, os que foram "nobres" e "ricos" ás tantas o eram pela capacidade de se aproveitar dos outros? Quer dizer, um antepassado rico e mau carácter, não é coisa que me agrade como contributo genético...
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Porquê querem todos ter um antepassado ilustre? Sentem que ganham imediatamente um status? Não entendo...
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Quis conhecer os meus porque, instintamente, senti que já os conhecia. Ainda que inconscientemente, quis ir ao encontro deles para os conhecer e saber se foram o que os meus instintos me diziam que tinham sido. Não achei que ia deparar com riqueza ou nobreza. Mas queria deparar com pessoas de bem, trabalhadoras e honradas, pois sentia isso em mim, como uma herança de séculos.
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Este instinto inconsciente, provou-se correcto. Recuei quatro séculos nas minhas raízes mais directas e não encontrei nada além do que descrevi em cima. Pessoas do povo, pessoas comuns, trabalhadoras, honradas, que tiveram muitos filhos e criaram todos. Viveram muitos anos e com baixos índices de mortalidade infantil na família. O que pode indicar a inexistência de negligência ou outros cenários mais macabros. Do muito e do pouco que compreendi, em nada me decepcionou o que encontrei. Ali estava: pessoas comuns, simples, humildes, trabalhadoras e honradas, de bom coração, boa saúde, perspicácia, inteligência, bons genes. Não podia querer melhor.
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Claro, carrego comigo o peso que décadas de pobreza transmite de geração em geração. Mas não se perdeu a virtude. Conheci outros familiares distantes e em todos encontro uma doçura, uma bondade e simplicidade, que dá gosto de perceber. Todos passaram pela mesma pobreza característica da classe e da sociedade. As mesmas dificuldades, os mesmos problemas e sempre, sempre, a mesma disposição para a luta, para a honra, para a sobrevivência, sem recorrer a artimanhas pouco nobres ou criminosas.
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E deixem-me dizer esta grande verdade: A GENEROSIDADE É PROPORCIONAL À MISÉRIA.
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Quem mais dá, é quem menos tem. Quem mais sente, é quem mais sofreu. Quanto mais pobre, mais generoso. Um pobre nunca deixa de partilhar um pão, dar uma moeda. E quem em tudo isto já nasce com um bom carácter, conserva-o até o fim da vida. É feliz em espírito e faz os outros felizes também. Mas lá por ser um ser sorridente, não desconhece de todo a dor do sofrimento.
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Atrás de um grande e caloroso sorriso, está alguém que sabe o que é a dor.
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Voltando aos antepassados, fiquei à espera de encontar alguém que também procurasse alguém. Em fóruns de genealogia e artigos, li todos os nomes, verifiquei todos os apelidos. Mas nada. Nomes parecidos, homónimos até, mas nenhuma correspondência.
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A menos que se tenha um antepassado mais "famoso", dificilmente alguém vai escrever o nome de um perfeito desconhecido. Mas a esperança não morre. E assim, a cada região e localidade mencionada, lá ia espreitar por um nome familiar. Entrei então num tópico sobre uma "celebridade".
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Bem, o termo, celebridade, não é muito do meu agrado. Tenho a certeza que também não lhe agradaria a ela. A pessoa em questão, foi mais uma figura. Uma figura do panorama português. De relevo, de importância e do povo.
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Saber que, há 200 anos, tinhamos parentes em comum, não me surpreendeu, nem a uns outros poucos parentes a quem o mencionei. Era conhecida a localidade de proveniência e apelidos desta figura que se tornou de relevo no panorama artístico português. E assim, feita a descoberta, pouco impacto teve.
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Por curiosidade, fui ler uma sua biografia. Sem espectativas. Só aquele instinto, que me insinuava que não ia encontrar nada que no fundo, já não sentisse...
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Fiquei surpresa sim. Fiquei muito surpresa com as semelhanças. Gerações tão diferentes, de tempos diferentes, com experiências e oportunidades diferentes e, no entanto, lá estava: tudo igual.
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Será o peso dos genes? Das gerações de pessoas do povo, pobres, mas de carácter? Acho que sim. Muito do que os outros viveram passa para nós não só como traços físicos, mas também na forma de ser e da energia que carregamos. Acho até que, algumas vezes, estamos aqui a pagar pelos pecados dos outros, não pelos nossos. Sentimentos e emoções TAMBÉM são transmitidas genéticamente. Ainda mais, com o peso de séculos em cima.
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Ora, se se transmitem doenças, problemas, tiques, maneirismos e até gostos peculiares, claro que se transmitem emoções, experiências de vida, carácter.
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Fiquei surpresa com as imensas semelhanças entre a história de vida dessa pessoa, no que respeita ás suas origens, e muito, muito mais, pasmada com as semelhanças de personalidade. É como se a tivesse conhecido por dentro. Vi o lado conhecido mas também o oculto. Aquele que poucos conseguem imaginar.
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Pobre menina rica! Pobre menina pobre, que ficou rica, que era nobre sem o ser, que tinha medo e não sabia...
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Pois não podia ter-me "saído" na "rifa", "melhor" figura! .
Uma pessoa do povo.
Ganhei a taluda porque já nasci com a cautela.
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Sou Portuguesa da mais pura essência deste povo.
Não há como negá-lo!
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Saiu-me a sorte grande.

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