domingo, 17 de agosto de 2008

União por outra razão

Uma vez uma amiga confidenciou-me que uma colega nossa devia estar mesmo muito apaixonada pelo seu namorado. Pois tinha outro há anos, que abandonou rápido, para ficar com o novo. Estava sempre a repetir esta constatação e nunca contestei o seu ponto de vista. Porém, estava longe de concordar.

Porquê as pessoas se fiam tanto na aparência? Nas histórias dos contos?

Pelo que conheci desta colega, ela era uma pessoa acima de tudo ambiciosa. Ao ponto de pisar nos outros para chegar onde acha que merece. Com desprezo pela sua origem e vergonha dos pais, ambicionava «ser alguém» noutro local que não aquele onde vivia. Desprezava a vida que sempre conheceu, achava os pais uns ignorantes incultos que não lhe deram o suficiente e ainda lhe deviam e se achava merecedora do melhor. No seu raciocínio, só podia atingir os seus objectivos em Lisboa.

Entretanto, tudo o que desejava para si, desprezava quando o via nos outros. Falava mal e invejava. Mas enganam-se se pensam que o fazia de forma obvia. Os seus comentários eram nos momentos certos e podiam passar despercebidos. Com as pessoas tinha um comportamento politicamente correcto. Mas não gostava delas. Era um tanto seca. Conforme a popularidade do indivíduo, assim recebia mais ou menos daquela cordialidade sintética. Preocupava-se muito com a aparência e a imagem que projectava. O comportamento fazia parte desse grupo. Nem sei se alguma vez foi natural e se mostrou livre. Estava sempre rígida na postura e na atitude que achava ser a única digna de uma pessoa de sucesso. Era exageradamente vaidosa com o cabelo, e começou a usar óculos não por necessitar, mas porque tinha virado moda e era um acessório que lhe conferia um ar responsável e intelectual que procurava criar para a sua pessoa.

Ou seja: quem se guiasse apenas pela aparência, ia ver uma rapariga bem vestida, educada e inteligente. Era tudo o que pretendia. Tinha tanto cuidado em não revelar o que realmente fazia e de onde vinha, que dava para perceber que, como diz a expressão, arrotava caviar e comia postas de pescada. Se algo que tivesse feito não fosse nada que a fizesse sentir orgulho, falava pouco mas quando falava, dizia sempre que tinha sido maravilhoso, gostou muito e fez um trabalho importante e essencial. Mas não diz que andou a servir cafés. Diz que era a auxiliar do director. Entendem?

Na primeira oportunidade que teve de se mostrar onde queria estar, não a deixou escapar. Escreveu a toda a gente, foi buscar endereços de email do arco-da-velha, escreveu para todos aqueles a quem nunca antes tinha escrito, só para poder mostrar que tinha chegado a algum lugar. Mesmo não sendo bem o que projectava, servia para alimentar a imagem que queriam que tivesse de si: bem sucedida. Uma vencedora.
E agora, roam-se de inveja! – deve ter pensado, pois toda a vida conheceu essa sensação.

Entendem agora porquê não concordei eu com a minha amiga, que dizia que o amor dela pelo novo namorado devia ter sido uma coisa bonita e avassaladora, como nos filmes?

Porque não era. Uma pessoa como ela não sabe o que isso é. É demasiado seca e racional para viver o amor. Amor é emoção. É sentimento. É asneira. Aquela pessoa era demasiado calculista e fria. Um namorado para ela não passava de um item. Uma aquisição. Um upgrade, um acessório necessário à sua imagem, um troféu para exibir a vaidade. É claro que trocou um pelo outro. O «novo» modelo vinha com apetrechos que pessoas como ela adoram: podia fazer dele o que quisesse.

Ele obedecia. Ele funcionava como ela dizia que ele devia funcionar. Ele ia fazer tudo o que ela manda, quando manda e assim que manda. Era o seu criado.

Que mais uma mulher como a que descrevi podia querer num homem?
É claro que trocou um pelo outro! E nem se aborreceu com isso.

Tenho que apelar para que se pense para lá das histórias dos contos. Não é porque um casal está junto à 2 anos que isso significa que estão sólidos e gostam muito um do outro. Não é porque subitamente alguém começa a namorar com outro que isso quer dizer que o ama apaixonadamente. Os dois juntos acabavam por impressionar os restantes que, levados na fantasia dos contos, sabem como «devia ser» e não estava a ser. Os recém-pombinhos tinham menos afecto um pelo outro, que casais que estavam «só a brincar», ficando junto. Mas serviam as necessidades um do outro.

Ela tinha o seu criado e ele, carente e desesperado, alguém para o «amar».

Não foi o único caso que conheci. Normalmente, até termina em casamento. Afinal, nada melhor para os narcisistas que um criado pessoal, mascarado de marido. E para aqueles que pouco ou nada de experiência em namoro obtiveram mas se lembram da dor da carência e do desespero de se imaginarem sem ninguém para o resto da vida, infelizmente, para esses (poucos) homens, essa gratidão é tudo o que basta para defender com toda a alma aquela pessoa para o resto da vida.

Ser narcisista compensa, não??

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