domingo, 6 de fevereiro de 2011

O ADN e nós

Numa altura da minha vida em que quis conhecer-me melhor e já o tinha conseguido, entendi que o passo seguinte seria conhecer-me pelos meus. Fiz tudo por instinto, por vontade e gosto. Sempre tive curiosidade em compreender a vida dos meus e como isso dita aquilo que são hoje. Por essa razão e um pouco por casualidade, comecei a dedicar-me à Genealogia.
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Pouco depois, surgiu a oportunidade de estudar os meus antepassados com um pouco de ciência. Existem firmas estrangeiras com credibilidade que fazem análise ao ADN e, assim, podem estipular a que grupo pertencemos. Achei isto demasiado fascinante para deixar passar ao lado e estava decidida a investigar por esta via as minhas origens, pagar o preço exigido e receber em casa um kit de colecta, uma espécie de tubo com um cotonete de raspagem, para recolher amostras esfregando no interior da bochecha a ponta do cotonete.
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A questão é que, em termos de genealogia, quanto mais para trás for a colecta, mais informação se recebe. Ou seja: raspar a minha bochecha ou a de meus pais pouco interesse tinha. O ideal eram bisavós mas esses não conheci vivos. Porém, tinha os meus avós maternos vivos. A ideia de preservar-lhe o ADN era-me tão TENTADORA! Acho que todos deviamos guardar o nosso património genético à nascença e, depois de mortos, ele continuar a existir num armazem algures. Todos os seres humanos deviam ter essa prova de vida, e só essa. Porque andarem órgãos extraídos ilegalmente ou doados à medicina aí vivos em corpos de outros durante décadas apó o falecimento de um indivíduo não é a mesma coisa.
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Como estava a dizer, quis colectar o ADN de meus avós, em particular do meu avô, pois esse não carregava comigo - o masculino é diferente do mitrocondrial. Algo sobre ter uma amostra o mais "pura" possível, é muito tentador. Eu sou já o fruto da mistura combinada de meus pais, e estes a mistura dos pais deles. Meus avós são, portanto, os mais puros. Agora: como explicar-lhes que quero que abram a boca para lhes esfregar um cotonete no interior da bochecha?
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Dei voltas e percebi que não ia conseguir explicar fazer-lhes ver a razão. Provavelmente acabariam por me fazer a vontade, caso insistisse em pedir-lhes. Mas a verdade é que, enquanto não consegui abordar o assunto de forma a perceber que eles iam entender o propósito, não fui capaz de o mencionar. Hoje é um pouco patético e, com tanta evolução, até aquela geração ia compreender sem entender, o gesto. Mas na altura não tinha como eles, nem meus pais tão pouco, compreenderam porque razão andava eu a esfregar cotonetes na boca dos meus avós. Adiei a encomenda do kit até sentir que chegava a altura certa de fazer a colecta.
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Meu avô faleceu, como já aqui o relatei. Foi avassalador perceber que, com a sua morte, perdeu-se o seu ADN para todo o sempre! É como se lhe tivessem tirado o direito de realmente existir. O seu ADN seria, para sempre, prova viva de que viveu, que foi uma pessoa que habitou a Terra e agora, como tantos outros e como todos um dia, partiu para outro plano. Mas enquanto esteve neste... que provas há que existiu? Não ter colectado o seu ADN foi para mim uma perca de algo que não volta atrás. O nosso ADN sofre alterações. O dele também mas era o mais próximo que existia da sua geração, dos hábitos da sua geração... tudo registado no organismo, como um grande mapa de informação - para sempre perdido!
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Aqui há uns anos, precisamente em 2005, trabalhava temporariamente num local e, em conversa com uma rapariga, perguntei-lhe se ela tinha guardado as células do cordão umbilical do filho. Ela tinha acabado de dizer que fazia de tudo por ele e se preocupava com a sua saúde. A expressão do rosto dela foi de espanto e descrédulidade. A ideia nunca lhe tinha passado pela cabeça e, nesse instante, ela achou que tinha falhado gravemente como mãe. Tanta protecção e tantos cuidados com a criança e agora descobria que, caso ele viesse a ter uma doença grave e o seu próprio sangue à nascença o podia salvar, ela não o guardou.
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Minimizei de imediato o facto, dizendo que ainda existiam muitas pessoas que não conservavam o sangue do cordão umbilical - para que não se sentisse isolada no seu esquecimento. A VERDADE é que, em 2005 e até bem pouco tempo, poucos pais optavam por este procedimento. Confesso que imaginava que muitos dos hospitais ofereciam resistência à ideia e imaginei que, se fosse comigo, hospital que se recusasse a fazer o procedimento era hospital onde jamais ia acontecer o parto! Na altura o procedimento tinha de ser solicitado pelos pais e não era muito divulgado, pelo que, estes tinham de ser pessoas bem informadas ou ter a sorte de alguém, durante a gestação, lhes falar do procedimento e dos benefícios do mesmo. Meu Deus, já existiram casos de crianças que são salvas graça a esse contributo! Que melhor se pode desejar? É grátis, é natural, é orgânico, pertence-nos... na eventual necessidade, é bem melhor do que andar a químicos ou em processos de cirurgia...
Agora tudo mudou. E a razão não é nada nobre: NEGÓCIO. Abriram clínicas de criopreservação de células estaminais do cordão umbilical e tudo o que é figura pública às portas da maternidade faz publicidade na televisão, jornais e outdoors para levar mais clientela àquela empresa. Disse-se uma vez no noticiário, que o negócio cresceu uns 200% e eram das poucas firmas a apresentar elevados lucros diante da crise.
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Quando as coisas podem virar uma oportunidade de negócio rentável, derepente são indispensáveis e cessa a resistência... Acho isto tão feio, mas é assim que a sociedade funciona. Somos capitalistas. As coisas, por melhores que sejam, têm de dar lucro e nem mesmo salvar vidas é motivo suficiente para perder dinheiro! Por este prisma, espero que tudo dê lucro, para que possamos todos beneficiar do MMMMUITO que a ciência médica nos pode dar em termos de saúde. Pobre Christopher Reeve... se calhar teve a solução para a sua cura realmente acessível, mas, por não dar dinheiro, não avançavam com o processo e ele, impotente, a ver o seu tempo a acabar, a acabar... E é o tempo que dirá realmente se assim foi...
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Desde pequena que percebi que aquilo que pretendo alcançar ou mesmo ter, ainda não existe ou, se existe, não está ainda disponível. Tinha de esperar. Demasiado! Nesse sentido o meu karma tem sido infalível: ou sou demasiado nova para algo, ou sou do género errado, ou já sou demasiado velha... passada uma década, tudo muda! Aí todos os padrões então normais que ditavam as regras alteram-se finalmente para o ponto onde eu já me encontrava. Tem sido sempre assim. Não sei porquê, mas o tempo para mim não faz sentido da forma como nós o dividimos. Os anos para mim podem realmente significar segundos. Ou seja: lembro de "ainda ontem" estar "ali", mas o "ontem" foi há... 3, 6, 12 anos. Para sentir que estou realmente a viver esta vida, teria de a trazer para o meu ritmo e viver cada segundo como se fossem anos. Porque, quem se rege pela eternidade dificilmente acha que uma vida humana inteira é tempo que se preze... Mas isso é outra história.

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