terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Tratado da maneira MAIS CORRETA

Li aqui sobre o caso do doente que a 14 de Dezembro faleceu no Hospital de S. José enquanto aguardava cirurgia. O presidente da Sociedade Portuguesa de Neurocirurgia, Carlos Vara Luiz, diz que o paciente foi tratado da maneira MAIS CORRETA.

O que é isso de ser tratado da maneira mais correta?

Vamos ver:

O rapaz, de 29 anos, foi parar ao hospital de Santarém com um aneurisma cerebral. Aneurisma é muitas vezes FATAL. E se não for, pode deixar graves sequelas. É algo que precisa de atenção especializada e imediata. E o dele já tinha entrado em ruptura. Talvez por isso o «paciente» teve de ser transferido de urgência para o hospital S. José, em Lisboa. Era uma sexta-feira. 


Uma vez chegado lá, mesmo de urgência, ficou à espera. E morreu. Morreu com o cérebro alagado em sangue na madrugada de 2ª feira porque a gravidade da situação não «esperou» o fim-de-semana passar, altura em que a equipa especializada em aneurismas retoma ao seu horário habitual de trabalho. 

Carlos Varas Luíz contudo, esclarece que o tempo de espera para casos destes são 72 horas. É o que dizem as «boas normas internacionais sobre cirurgias precoces de aneurismas». E aponta para o Hospital de Santarém, que «despachou» o inconveniente paciente para outro local. Carlos Varas Luíz relembra que «doentes com aneurismas não deviam ser transferidos». 


Resumindo: se for identificado um aneurisma a um cidadão este não pode ser transferido para outro hospital. Tem de ficar naquele onde não há recursos para o salvar. Mas se for para outro que os tenha e calhar a um fim-de-semana, não pode contar com a ajuda de uma equipa especializada. Então o que resta ao paciente? Morrer, claro. Acho que é isso que estão a dizer que é «a forma correta».

Resguardam-se nas leis para se sentirem de bem com as consciências. Tudo foi feito dentro das normas. Yuppi! O papel de um médico é procurar salvar vidas e prestar auxílio adequado o quanto antes. Há uma lei que desde Abril de 2014 dita que não faz mal não existirem equipas de neurocirurgiões especializados num hospital ao fim-de-semana. Coloque a mão no ar quem acha esta lei correta, sff.  Que infeliz foi o rapaz por ter tido a ruptura do aneurisma durante o fim-de-semana! A culpa foi dele. É que nesses dias a medicina está de férias. 


Tão triste. Senti uma súbita tristeza que me levou às mais profundas lágrimas. Espero que este caso mude o que é necessário mudar nas políticas do Sistema de Saúde em Portugal. Foi uma morte que podia ter tido uma chance de não o ser.


7/1 adenda: Ao procurar ilustrações para o texto deste post encontrei mais sites com referência ao caso. Coloquei alguns em links no próprio texto. Mas não este, que achei muito humano, pois inclui os últimos actos de comunicação consciente do rapaz falecido. Outros, como os relatos de familiares, podem ser lidos aqui e aqui.


8 comentários:

  1. Uma vergonha. Há leis que deviam andar penduradas nas costas de quem as aprova para toda a gente saber quem são os incompetentes que as fazem e aprovam.
    Um abraço

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    1. A Elvira tem sempre ideias tão simples e com sentido. É muito justo e sensato isso que propõe!

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  2. Esse drama não podia ter acontecido.
    Como é que se deixa um jovem morrer por falta de assistência médica???
    Terceiro-mundista, revoltante, horroroso, inaceitável.

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    1. A gestão central de Lisboa decidiu que um dos muitos cortes que faz no orçamento todos os anos podia ser por ali: ausência de uma EQUIPA ESPECIALIZADA ao fim-de-semana. Mas podiam ir trabalhar em regime de voluntariado... Triste! Ao menos que contactassem de urgência a equipa, mas para não arcarem com os custos e ir contra as "políticas" deixam as vidas sem assistência. Muuuuuuito inaceitável!

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  3. Em Portugal há classes intocáveis e a classe médica é uma delas. Os médicos nunca, mas nunca, são culpabilizados mesmo quando cometem erros fatais e, obviamente, mortais. A culpa é sempre de alguém mas nunca, nunca!, do médico. Eu sempre disse que o mais importante na vida é a sorte e quando se entra num hospital... a sorte, mais que importante, é a diferença entre a vida e a morte.

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    1. Gata, pode ser ingenuidade de minha parte, sei que sim. Mas eu não culpo os médicos tanto quanto culpo a governação e as políticas. São os "grandes" que decidem cortar nos salários, aumentar a carga horária, exigir mais. Os médicos fazem um juramento e muitos cumprem-no para além das condições que recebem em troca (penso eu). Mas de há uns anos para cá muitos também não toleram mais e vão com a "corrente". Ao fim-de-semana as «políticas» ditaram que é em regime de VOLUNTARIADO que a equipa de neurocirurgia. Ora, a cortarem-lhes os ordenados (penso eu, sempre escutei que um neurcirurgião ganha muito bem, também não lhe invejo a tarefa) e a quererem se aproveitar da ética médica para os fazer ir trabalhar de graça, é indecente. Os mais novos já se escapam para outros países. Os mais velhos aguentam, aguentam...

      Mas isto sou eu a pensar com base no pouco que sei. Mais para a frente irei fazer um post sobre isso, um que já vinha para fazer antes de Dezembro terminar e estou a adiar. Também é sobre a saúde e sobre uma propaganda que acho indecente!

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  4. É triste e revoltante que um jovem tenha de morrer para que se venha a alterar algo que devia estar garantido, tanto durante a semana como ao fim-de-semana. Não consigo entender como se pode dizer que foi tratado da maneira mais correcta quando uma pessoa morreu desnecessariamente! Gasta-se tanto dinheiro em coisas bem menos importantes e quando se trata da saúde fazem estes cortes que podem levar a mortes desnecessárias...

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    1. Este é o tipo de assunto que nos revolta imenso quando somos muito jovens, e continua a revoltar quando somos de mais idade. Mas a experiência dos anos mostram outras direcções, outras razões e motivos que a pouca idade releva ou mesmo desconhece. Amadurecer tem a desvantagem de nos afastar do idealismo e da acção mas a vantagem desse afastamento é uma percepção maior da «cadeia» do poder, das influências e como isso nos afeta a todos. A saúde em Portugal anda «mal das pernas» faz muito tempo. E na minha modesta opinião, é uma lástima, pois também sou da opinião que tínhamos uma comunidade médica sã, consciente e honrada. Caminhamos para um abismo.
      Obg pela visita :)

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